Coisas da vida

Numa época em que a realidade atravessa o absurdo, quando Reis mandam calar Presidentes que por seu turno insultam Presidentes, numa altura em que a racionalidade se expõe a desvarios e um país fica imobilizado por um Presidente decidir aplicar o programa para o qual foi eleito, num mundo em que greve é sinonimo de barbarie e egoísmo, fazendo saltar carris de comboios e fechando Universidades, num contexto em que o kafkaismo domina o bom senso, queimando-se bairros e incentivando-se a revolta pelo simples facto de 2 miúdos, que infrigiam a lei, terem morrido a escapar à Policia…eu vos escrevo este e-mail comodamente instalado num Starbucks de Barcelona acompanhado do meu « muffin » de baunilha e chocolate assim como de um intenso aroma a capucino proveniente do cup posado ao lado do meu computador.
Aproveito o meu novo estatuto de observador do mundo beneficiando do largo tempo livre que me é disponibilizado nesta cidade onde a festa não tem fim. Redescobri a preguiça de poder-me levantar sem despertador ao fim de semana, de engonhar na cama durante minutos, horas a fio numa preguiça que em nada fica a dever à que caracteriza o animal que lhe dà nome. Enfrento o duro desafio de conseguir aguentar a ardua tarefa de « salir de fiesta », como eles aqui chamam, 3/4 dos 7 dias que compõem a semana. Estabeleço amizade com os monhés, que invariavelemente vendem latas de cerveja a preços de ocasião, pela populada Rambla abaixo. Adapto-me jà de forma automatica ao ambiente de cada noite ou espaço, seja no Pascha às quartas, onde as festas Erasmus são animadas ao som de YMCA’s e afins, ou às quintas no Manolo bar onde jà conheço de memória os videos de sakters e snowboarders que passam no écrã gigante, ou no Razmataz à Sexta onde a música techno põe o meu cerebro a funcionar a um ritmo binário e continuo, ou no Opium Mar, ou em tantos outro establecimentos que fazem desta cidade um antro da perdição. Travo conhecimento com os adeptos dos diferentes clubes que enfrentam o Barcelona na Liga dos Campeões e que invadem a Praça Catalunya nos dias de jogos criando uma atmosfera impressionante. Desbundo e atrofio, vivo a vida de uma forma até agora nunca vivida, invadido por uma preocupante sensação que alia a exitação constante a um vazio provienente de um sentimento de estar a desperdiçar um ano de vida academica em troca de um orgasmo de duração limitada a 8 meses.
Entretanto observo o mundo, tenho tempo para isso. Não o faço do ponto de vista de um estudioso, através da preparação de um exposé, de um contrôle d’actualité ou de um Mémoire, como até agora. Observo o mundo como o Pedro, não aquele que quer vencer na vida mas o que se vê no Mundo e o que vê no Mundo algo de tão infantil e desfasado, uma realidade primária e por vezes tão simples. Os Homens políticos aparecem-me como miúdos de 6ème a brincar aos grandes num recreio de escola. Os professores fazem o papel de corpos estranhos em anfiteatros nos quais se encontram em notavel minória. Os alunos são apenas isso, bons ou maus, caçadores de diplomas ou andorinhas da vida que esperam ansiosamente pela primavera das férias. Mas eu não sou nenhum deles, jà fui e voltarei a sê-lo, mas por enquanto sou um Erasmus, uma categoria à parte, um humanista à procura de prazer, um desocupado com tempo para escrever barbaridades. No fundo, e sem qualquer teor ideologico associado ao autor desta jà antiga frase, deixei temporiariamente de tentar encontrar « o conforto das grandes certezas ».